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A memória segundo o Yoga Sútra - Miguel Homem

A memória segundo o Yoga Sútra
Miguel Homem

anubhútavishayásampramoshah smritih || 11 ||

Memória é impedir a fuga de uma experiência.


anubúta = percebido, apreendido, experimentado

vishaya = objecto, assunto

asampramoshah = não deixar fugir, não deixar cair

smritih = memória


O quinto e último vritti enumerado por Patañjali é smriti (memória). Patañjali não o deixa para último lugar por acaso. É que este vritti reúne todos os outros, preenche-se com os conteúdos dos restantes.

A memória é, por um lado, a retenção das experiências presentes e, por outro, a lembrança das experiências passadas.

Do ponto de vista do yoga a actualização das experiências que ontem eram presentes e hoje são passado mantém o ser humano preso da roda do samsára (a existência condicionada), na medida em que alimentam a equação atrás mencionada: samskára - vásana - vritti - karma. As acções e experiências do ser humano produzem impressões no inconsciente (samskáras). Estas impressões criam no subconsciente um impulso latente (vásaŠa) no sentido de se actualizarem como conteúdos da mente (chitta) o que cria nesta uma flutuação e instabilidade, que quase inevitavelmente levam à acção. Acção esta que reforça aquelas impressões, impulsos, vrittis e que leva a novas acções (karmas). Ora, estes vásaŠas e samskáras têm a sua origem na memória e alimentam continuamente o fluxo psico-mental. Por isso quando Patañjali enuncia a memória como um vritti fá-lo na medida em que esta é um potencial não consciente de hábitos, padrões de comportamento, padrões de pensamento, de reacções e de acções. Neste sentido o significado de smriti (memória) não corresponde exactamente ao significado comum da palavra memória.

Smriti é ainda responsável pelo engano acerca da real natureza do ser humano. De facto, é a memória que fundamenta a existência do ego. A memória agrega uma sucessão de experiências, de vivências sob a égide de um sujeito actuante. Ora, a verdade é que a noção de permanência que a memória nos dá não é real. O nosso corpo altera-se a cada minuto. Segundo o Dr. Deepack Chopra, a pele renova-se a cada três semanas, o esqueleto a cada três meses e num ano 98% dos átomos do corpo são trocados. Se é assim no corpo físico, ao nível emocional e mental a impermanência é ainda maior. A cada ano que passa transformamo-nos em novas realidades e apenas a memória de um nome, de um corpo, de relações com o exterior mantém a ilusão de uma continuidade, quando na realidade só há permanência no Ser que observa, o purusha, "um simples espectador inactivo".

O yogi procura discernir (viveka) dentro da memória, sem se condicionar, conhecendo-se, ampliando a consciência de forma a não viver num passado-presente-futuro, mas num eterno presente. Procura, assim, manter tudo o que apreende no plano consciente, no presente. Por isso, para quem interpreta o conceito de smriti como memória/atenção, encontra nele o problema – memória – e também a solução – atenção. Atenção dirigida e consciente no presente – atha yogánushásanam[1] - a observação constante de si mesmo, enfim a consciência de Saksh… (consciência testemunha). Aliás, Patañjali enuncia smriti como requisito de sucesso na prática – confiança, energia, atenção (smriti) e sabedoria precedem e são necessários para o samádhi (sútra I,20).

A memória, fonte de pensamentos, imagens e sons não voluntários que surgem em chitta é o riltimo vriitti mencionado e o último a ser eliminado. No sútra I,43, Patañjali irá referir-se a uma purificação da memória smriti-parishuddhi – uma vez purificada a memória, quando a mente se esvazia da sua própria natureza reflexiva e o objecto do de conhecimento brilha, alcança-se o nirvitarká samápatti.


[1] Patañjali abre os seus sútras com este: Agora começa o ensinamento do Yoga. Agora, agora, outra vez agora, sempre agora: o yoga, a atenção ao presente. Veja-se o comentário a este sútra no primeiro número destes Cadernos.

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